
Essa denúncia, na verdade, me desagrada!
Socorrer os pobres aflitos,
os infelizes e os abandonados,
os que morrem de fome e de frio,
as pessoas com deficiência e os incapazes para o trabalho
é obrigação de todos os cristãos.
Na verdade, Nosso Senhor nos ensinou
que devemos fazer aos outros
aquilo que gostaríamos que fizessem a nós.
Dizem: ‘não tende os meios para ajudá-los,
pois tendes muitos órfãos para prover!’
Para estes eu digo, nada tiro dos órfãos
para ir ao encontro dos pobres.
Digo, mais, a Providência divina,
diante da qual o pobre vale tanto quanto o rico,
nunca me faltou
e assim posso distribuir
aos mais necessitados e desvalidos
um pouco de alimento, um pedaço de pão.
Outros, também, afirmam: ‘mas ajudais mendigos que podem trabalhar!’
Rogo-vos, senhores, venham algum dia no meu Instituto
e o que vereis?
Idosos decrépitos, os cegos e os mutilados da guerra,
que definham por absoluta falta de comida.
Asseguro-vos: acudi alguns que desmaiavam por causa da fome!
Se entre tantos, houver desocupados,
não existe entre estes aqueles que,
mesmo querendo trabalhar, não encontram trabalho?
Pois bem, deve a sociedade condená-los a morte?
Não! A caridade e a humanidade não ousariam negar-lhes um pedaço de pão!
Podeis retrucar: ‘sabemos alguns vos enganam e vos roubam’.
É verdade. Pode ser que por trás das formas da pobreza extrema, às vezes,
se esconda um gatuno que me furte a comida e um pedaço de pão.
Grande coisa, na verdade!!!
Mas não posso adotar a máxima:
‘contanto que o réu não se salve,
que pereça o inocente!’
Não, não posso, digo eu,
por receio de dar um pedaço de pão
a um mendigo que se finge de pobre,
negá-lo a tantos infelizes!
Roubam-me!
Mas senhores, será que nunca fostes roubados?
E a fraude? E a corrupção? E os especuladores?
Será que estes nunca tiraram dinheiro de suas bolsas,
apesar da vossa vigilância e precaução?
Ah, talvez, eu esteja tocando numa tecla muito dolorosa
e despertando recordações cruéis!...
Peço, então, que não me critiqueis tão facilmente
se, ao distribuir um auxílio a tantos aflitos,
no meio deles se encontra um vagabundo.
E mais, este é duplamente infeliz.
Digo duplamente por ser pobre e ladrão.
Quando ele era um mendigo, a sociedade o abandonou.
Abandonado a si mesmo, começou a trilhar o mau caminho.
Pergunto: hoje, esta mesma sociedade vai condená-lo a morte?
Pois bem: pelo menos na caridade divina
ele poderá encontrar um pouco de paz,
e quem sabe se isto não o reconduzirá a uma vida melhor!”
Messina, 10 de agosto de 1906.
Santo Aníbal Maria.